Estudo Sistemático da Bíblia - Cânone Bíblico


Cânone Bíblico ou cânone das Escrituras é a lista de textos (ou "livros") religiosos que uma determinada comunidade aceita como sendo inspirados por Deus e autoritativos. A palavra "cânone" vem do termo grego κανών ("régua" ou "vara de medir"). Os cristãos foram os primeiros a utilizar o termo para fazer referência às suas Escrituras, mas Eugene Ulrich considera que a ideia é derivada do judaísmo.A maioria dos cânones tratados neste artigo são considerados como "fechados" (ou seja, livros não podem mais ser acrescentados ou removidos), o que reflete a crença de que a revelação divina está encerrada e, portanto, uma pessoa ou grupo de pessoas foi capaz de juntar os textos inspirados aprovados num cânone completo e autoritativo.Por outro lado, um cânone "aberto" é aquele que permite a adição de novos livros através da revelação contínua.Estes cânones se desenvolveram através do debate e consenso entre as autoridades religiosas de cada uma das respectivas denominações. Os fieis consideram os livros canônicos como sendo inspirados por Deus ou como expressando a história autoritativa da relação entre Deus e seu povo. Alguns livros, como os evangelhos judaico-cristãos, foram excluídos do cânone completamente, mas muitos livros disputados, considerados não canônicos ou apócrifos por alguns, são considerados como sendo apócrifos bíblicosdeuterocanônicos ou plenamente canônicos por outros. Diferenças existem entre a Tanakh judaica e os cânones bíblicos cristãos e entre os cânones das diferentes denominações cristãs. Critérios e processos de canonização diferentes ditam o que as diversas comunidades consideram como Escrituras inspiradas. Em alguns casos, nos quais diferentes graus de inspiração se acumularam, é prudente discutir textos que só foram elevados ao status de canônico numa única tradição religiosa. Este tema é ainda mais complexo quando se considera os cânones abertos das várias seitas dos Santos dos Últimos Dias ("mórmons") — que alguns consideram como descendentes do cristianismo e, portanto, do judaísmo — e as revelações recebidas pelos seus diversos líderes ao longo dos anos dentro do próprio movimento.


Judaísmo rabínico

Judaísmo rabínico (em hebraicoיהדות רבנית) reconhece os vinte e quatro livros do texto massorético, geralmente conhecidos como Tanakh (em hebraicoתַּנַ"ךְ) ou Bíblia hebraica. Evidências sugerem que o proecsso de canonização ocorreu entre 200 a.C. e 200 d.C.; um ponto de vista popular é que a Torá foi canonizada por volta de 400 a.C., Nevi'im ("Profetas") por volta de 200 a.C. e Ketuvim ("Escritos") por volta de 100, talvez no hipotético Concílio de Jâmnia (que vem sendo cada vez mais considerado fictício pelos estudiosos modernos). Segundo Marc Zvi Brettler, as escrituras judaicas além da Torá e Nevi'im são fluidas, com diferentes grupos considerando diferentes livros como autoritativos.Deuteronômio, parte da Torá, inclui uma proibição contra a adição ou remoção (Deuteronômio 4:2Deuteronômio 12:32), o que pode ser aplicado ao livro em si (ou seja, a proibição contra qualquer edição futura pelas mãos dos escribas) ou às instruções recebidas por Moisésno monte Sinai.II Macabeus, um livro que não faz parte do cânone judaico, descreve Neemias (c. 400 a.C.) como tendo "fundado uma biblioteca e colecionado livros sobre reis e profetas, os textos de David e as cartas dos reis sobre ofertas votivas" (II Macabeus 2:13-15)Livro de Neemias sugere que o sacerdote-escriba Esdras levou a Torá de volta do cativeiro na Babilônia para Jerusalém, onde foi reconstruído o Templo (Neemias 8:-Neemias 9:) por volta da mesma época. Tanto I quanto II Macabeus sugerem que Judas Macabeu (c.167 a.C.) também colecionou livros sagrados (I Macabeus 3:42-50II Macabeus 2:13-15II Macabeus 15:6-9), o que levou alguns estudiosos a sugerirem que o cânone judaico teria sido estabelecido pela dinastia dos asmoneus. Porém, estas fontes primárias não sugerem que o cânone estava "fechado" na época e também não deixam claro que os livros sagrados da época eram os mesmos que mais tarde fariam parte do cânone.A "Grande Assembleia", também conhecida como "Grande Sinagoga", era, segundo a tradição judaica, uma assembleia de 120 escribas, sábios e profetas do final da era dos profetas bíblicos até a época do desenvolvimento do judaísmo rabínico e marcou a transição da época profética para a época dos rabinos. Ela existiu por cerca de 200 anos e acabou em 70, com a destruição de Jerusalém pelo Império Romano. Entre os desenvolvimentos do judaísmo atribuídos a eles está a fixação do cânone, incluindo os livros de EzequielDanielEster e dos doze profetas menores; a introdução da festa do Purim e a instituição da oração conhecida como Shmoneh Esreh, além das bençãos, orações e rituais da sinagoga.Além da Tanakh, o grupo majoritário do judaísmo rabínico considera o Talmude (em hebraicoתַּלְמוּד) como sendo outro texto autoritativo e central. Trata-se de um registro de discussões rabínicas sobre leiética, filosofia, costumes e história dos judeus. O Talmude está dividido em dois componentes, a Mishná (c. 200), o primeiro compêndio escrito da lei oral judaica, e a Guemará (ca. 500), esclarecimentos sobre a Mishná e outros textos tanaítas. Há diversas citações da Sirácida no Talmude, mesmo este livro não fazendo parte do cânone hebraico.O Talmude é a base para todos os códigos da lei rabínica e é geralmente citado na literatura rabínica. Certos grupos judaicos, como os caraítas, não aceitam a lei oral codificada no Talmude e aceitam apenas a Tanakh como sendo autoritativa.

Beta Israel

Os judeus etíopes, conhecidos como Beta Israel (em ge'ez:ቤተ እስራኤል, "Bēta 'Isrā'ēl"), possuem um cânone escritural distinto do cânone do judaísmo rabínico. "Mäṣḥafä Kedus"("Sagradas Escrituras") é o nome da literatura religiosa destes judeus, escrita primordialmente em ge'ez. O livro mais sagrado, chamado "Orit", consiste no Pentateuco (equivalente à Torá) acrescido de JosuéJuízes e Rute. O resto do cânone é considerado como de importância secundária e consiste no restante do cânone hebraico — com a possível exceção do Livro das Lamentações — e vários livros deuterocanônicos. Entre eles, SirácidaJuditeTobiasI e II EsdrasI e IV Baruque, os três livros conhecidos como Meqabyan("Macabeus etíope"), JubileusEnoqueTestamento de AbraãoTestamento de Isaac e o Testamento de Jacó. Estes três últimos testamentos patriarcais são únicos dos judeus etíopes.Uma terceira categoria de textos que são importantes para os judeus etíopes, mas não são considerados como parte do cânone, incluem os seguintes livros: "Nagara Muse"("Conversação de Moisés"), "Mota Aaron" ("Morte de Aarão"), "Mota Muse" ("Morte de Moisés"), "Te'ezaza Sanbat" ("Preceitos do Sabá"), "Arde'et" ("Estudantes"), "Apocalipse de Gorgório", "Mäṣḥafä Sa'atat" ("Livro das Horas"), "Abba Elias" ("Padre Elias"), "Mäṣḥafä Mäla'əkt" ("Livro dos Anjos"), "Mäṣḥafä Kahan" ("Livro dos Sacerdotes"), "Dərsanä Abrəham Wäsara Bägabs" ("Homília de Abraão e Sara no Egito"), "Gadla Sosna" ("Atos de Susana") e "Baqadāmi Gabra Egzi'abḥēr" ("No Princípio, Deus Criou").Finalmente, "Zëna Ayhud" (a versão etíope de Josippon) e os ditos de vários "fālasfā" ("filósofos") são fontes que não são necessariamente consideradas como sagradas, mas têm, apesar disto, grande influência.

Cânone samaritano


Outra versão da Torá, escrita no alfabeto samaritano, também existe e está associada aos samaritanos (em hebraicoשומרונים; em árabeالسامريون), um povo cuja história, nas palavras da Enciclopédia Judaica"começa com a captura da Samaria pelos assírios em 722 a.C." (a Samaria corresponde, a grosso modo, com o território do antigo Reino de Israel).A relação da Torá samaritana com o texto massorético ainda é tema de disputas. Algumas diferenças são menores, como as idades das diferentes pessoas mencionadas nas listas genealógicas, mas outras são maiores, como o mandamento da monogamia, que só existe na versão samaritana. Mais importante, o texto samaritano também diverge do massorético ao afirmar que Moisés recebeu os Dez Mandamentos no monte Gerizim (e não no monte Sinai) e que foi no alto desta montanha que os sacrifícios deveriam ser feitos a Deus (e não no Templo de Jerusalém). Apesar disto, os estudiosos consultam a versão samaritana para apoiar na determinação do texto original da Torá e também para retraçar o desenvolvimento das famílias textuais. Alguns rolo entre os Manuscritos do Mar Morto foram identificados como sendo do texto-tipo proto-samaritano da Torá. Comparações também já foram feitas entre a Torá samaritana e o Pentateuco da Septuaginta grega.Os samaritanos consideram a Torá como sendo escritura inspirada, mas não aceitam nenhuma outra parte da Bíblia, uma posição provavelmente defendida pelos históricos saduceus. Além disto, o cânone não foi expandido pelo acréscimo de nenhum texto unicamente samaritano. Há um Livro de Josué samaritano, mas trata-se de uma crônica popular escrita em árabe e não é considerado canônico. Outros textos religiosos não canônicos incluem o "Memar Markah" ("Doutrina de Markah") e o "Defter" ("Livro de Orações"), ambos do século IV ou depois.Os descendentes modernos dos samaritanos que vivem nos estados modernos de Israel e Palestina consideram sua versão da Torá como completa e autoritativa.Eles se auto-definem como "verdadeiros guardiões da Lei", uma reivindicação reforçada pela alegação da comunidade de Nablus (tradicionalmente associada à antiga cidade bíblica de Siquém) de estarem de posse da mais antiga cópia sobrevivente da Torá, que eles acreditam ter sido escrita por Abisha, um neto de Aarão.
O primeiro concílio a aceitar o moderno cânone católico (o Cânone de Trento) pode ter sido o Sínodo de Hipona (393), no norte da África. Um breve sumário de seus atos foi lido e aceito pelo Concílio de Cartago (397) e pelo Concílio de Cartago (419). Estes concílios foram realizados sob a autoridade de Agostinho, que considerava o cânone como já fechado na época. O Concílio de Roma (382), do papa Dâmaso I, proclamou um cânone idêntico, se é que é possível relacionar o Decretum Gelasianum a ele. Da mesma forma, a encomenda de Dâmaso de uma versão em latim da Bíblia (a Vulgata), por volta de 383, foi instrumental para a fixação do cânone no ocidente.
Por volta de 405, o papa Inocêncio I enviou uma lista de livros sagrados ao bispo gaulês Exupério de Toulouse. Os estudiosos cristãos afirmam que, quando bispos e concílios tratavam do tema, eles não estavam tratando de algo novo e sim "ratificando o que já havia se tornado o pensamento da Igreja".
Assim, a partir do século IV já existia uma unanimidade no ocidente sobre o cânone do Novo Testamento (como é hoje) e, no século V, o oriente, com umas poucas exceções, passou a aceitar o Apocalipse, harmonizando o reconhecimento do cânone. Muitos protestantes modernos citam quatro "Critérios de Canonicidade" para justificar quais livros devem ser incluídos no Antigo e no Novo Testamento:

  1. Origem Apostólica – atribuído a e baseado no ministério e nos ensinamentos da primeira geração de apóstolos ou seus companheiros próximos;
  2. Aceitação Universal – reconhecido por todas as grandes comunidades cristãs do mundo antigo no final do século IV;
  3. Uso Litúrgico – lidos publicamente quando as primeiras comunidades cristãs se reuniam para a "Ceia do Senhor", o serviço religioso semanal;
  4. Mensagem Consistente – conteúdo teológico similar ou complementar a outros textos cristãos aceitos universalmente.
O fator básico para o reconhecimento da canonicidade era a inspiração divina e o teste principal para isto era a "Origem Apostólica". Neste contexto, o termo "apostólico" não necessariamente significa autoria ou derivação apostólica e sim "autoridade apostólica". Esta, por sua vez, está necessariamente ligada a autoridade divina através da sucessão apostólicaContudo, é muitas vezes difícil aplicar estes critérios a todos os livros do cânone aceito e livros considerados como apócrifos poderiam preencher estes critérios. Por isso, na prática, os protestantes defendem o cânone da Bíblia hebraica e o cânone católico para o Novo Testamento (27 livros). Martinho Lutero se incomodava com quatro livros do Novo Testamento, chamados de "antilegomena"JudasTiagoHebreus e o Apocalipse. Por isto, ele os posicionou numa posição secundária em relação aos demais, mas não os excluiu. Ele propôs removê-los do cânone ecoando a opinião de diversos católicos — como o cardeal Caetano e Erasmo — e, parcialmente, por causa de ensinamentos que ele percebia como sendo contrário às doutrinas protestantes como a sola gratia e a sola fide, uma tese que não é geralmente aceita por seus seguidores. Ainda hoje estes livros aparecem em último lugar na Bíblia de Lutero alemã.Apesar disto, articulações plenamente dogmáticas sobre o cânone só foram feitas no Cânone de Trento (1546) para a Igreja Católica, a Confissão Gálica da Fé (1559) para o calvinismo, os Trinta e Nove Artigos (1563) para a Igreja da Inglaterra e o Sínodo de Jerusalém (1672) para a Igreja Ortodoxa. Outras tradições, apesar de defenderem cânones fechados, não estabeleceram uma data exata para sua fixação. As tabelas seguintes refletem a situação atual dos diversos cânones. Todas as grandes tradições cristãs aceitam os protocânone hebraico inteiramente como sendo livros inspirados e autoritativos. Além disto, todas elas, com exceção dos protestantes, aceitam também os livros deuterocanônicos. É importante lembrar que mesmo estes livros aparecem em algumas bíblicas protestantes, como é o caso da Bíblia do Rei Jaime e da Bíblia de Lutero, numa seção chamada "Apocrypha"Alguns livros, listados nas tabelas abaixo, como Testamentos dos Doze Patriarcas para a Igreja Apostólica Armênia, podem ter sido um dia uma parte vital da tradição bíblica e podem ainda hoje ter um lugar de honra, mas não são mais considerados como parte da Bíblia. Outros, como a Prece de Manassés para a Igreja Católica, podem ter aparecido em manuscritos, mas jamais chegaram a ter um status de canônico naquela tradição. O nível de proeminência de algumas obras, como os Salmos 152 a 155 e os Salmos de Salomãopara o cristianismo sírio, permanece obscuro. Com relação ao cânone bíblico etíope, é fundamental lembrar que: (i) LamentaçõesJeremiasBaruqueEpístola de Jeremias e IV Baruque são considerados canônicos, mas é incerto como estes livros estão divididos e organizados; em algumas listas, eles aparecem simplesmente como "Jeremias" e, em outras, estão divididos em vários livros separados; (ii) Provérbios está dividido em dois livros — Messale (caps. 1-24) e Tägsas (caps. 25–31); (iii) os livros de Jubileus e Enoque são bem conhecidos dos estudiosos ocidentais, os três livros conhecidos como Meqabyan ("Macabeus etíope") não são. O seu conteúdo é completamente diferente dos Livros de Macabeus de outras tradições; (iv) o Livro de José ben Gurion ou Pseudo-Josefo é uma história do povo judeu que se acredita ter sido baseada nas obras de Flávio Josefo. A versão etíope (Zëna Ayhud) tem oito partes e é parte do cânone etíope.




 









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